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Posted by : Felippe Barbosa quarta-feira, 15 de abril de 2015

Pode ser que seja fácil, mas não pode ser difícil, que você, caro leitor, seja capaz de imaginar a seguinte situação: Eis que está num almoço de família e sua avó reclama constantemente das dores na coluna causadas pela velhice. É engraçado observar como seu pai parece não dar ouvidos, apenas balançando a cabeça e erguendo as sobrancelhas, como se não suportasse mais ouvir a mesma balela de sempre enquanto ingere a garfada de macarronada. Curiosamente, tal semblante é o mesmo que o seu quando ele lhe enche o saco dizendo que “quando crescer, verá o que são responsabilidades”.
A questão é essa. Estão todos sempre reclamando de tudo. E se é verdade que os mais velhos sabem mais do que os mais jovens,deverá ser então um fato que a tendência da vida é sempre inevitavelmente piorar.
Mas será mesmo? A vida é mesmo assim tão cheia de desastres e catástrofes depressivas? Estamos todos condenados a infelicidade? Essas e outras perguntas, você não verá respondidas sexta no Globo Repórter. Afinal, não são coisas sobre as quais seres humanos se dão ao trabalho de dizer.
 E foi por isso que deixei de discutir com humanos e dei ouvidos a Chubble, discutindo tal tema enquanto jogávamos eu e ele nossa partida matinal de xadrez no despertar de terça feira. Como de costume, reclamávamos da vida. O trabalho está cansativo, a faculdade está puxada, e garotas tolas da internet insistem em dizer que E. L. James é uma boa escritora. Mas por mais que reclamemos com afoitamento, tal feito não é pra ser feito em voz alta.
Afinal, todos fingem já estar cientes de que a vida é uma droga sem fim. Motivo pelo qual temos todos a resposta na ponta da língua quando nos indagam “Como está você?”. Se a opção de se limitar ao simples “Estou bem, e você?” não for a escolhida, brota do diálogo uma veemente competição, na qual o oponente se esforça ao máximo para provar que a vida dele tem sido a mais difícil. Diga que está trabalhando muito, e dirão que estão trabalhando mais. Diga que os filhos dão trabalho, e dirão que o trabalho lhes deu filhos. E o consenso dos maiores se comunica... de que a vida inteira é uma completa desgraça.
Mas desprovido de graça era mesmo o maldito Senhor Laerte. O vizinho que ladeava o terreno da casa de férias de Chubble, durante os meses em que se despediu de mim por um breve hiatus e foi visitar a cidade de Gramado. Senhor Laerte era um homem robusto que plantava grama todos os dias. Plantava-as e depois cortava, colocando montes das mesmas em saquinhos plásticos e pondo-os sobre balanças de cozinhas, na intenção de medir quantos gramas pesavam as gramas de Gramado. Após ter todas as embalagens devidamente lacradas, vendia-as para toda a vizinhança. Era prova de estilo maior no bairro comprar os saquinhos aromáticos de mato do Senhor Laerte, os quais eram pendurados nas portas e janelas, para que a casa desfrutasse sempre de um agradável cheiro de grama recém-cortada.
O único vizinho que jamais comprava do estoque de gramas era Chubble, pois tinha uma grave alergia a capim, assim como a creme de alho pastoso.
Na tentativa de ampliar as vendas, Sr. Laerte advertiu que Chubble muito se arrependeria se não viesse a comprar nenhum dos pacotes aromáticos. Dizia ele que semanalmente o caminhão de porcos que por ali passava deixava um cheiro ofensivo de excrementos pelo caminho. Tal odor intoxicava as narinas e lacrimejava os olhos, e só podia ser disfarçado pelo aroma das gramas penduradas pela casa. Sendo assim, comprar alguns gramas da grama de Gramado era não apenas uma tendência estilosa, mas uma necessidade extrema para uma vida pródiga.
Entretanto, por mais que o robusto vizinho bigodudo tanto lhe avisasse, meu amigo-talvez-uma-morsa nunca lhe deu ouvidos. Permaneceu unindo suas economias, moeda por moeda. Até chegar o dia em que o caminhão de porcos passou.
O odor das fezes dos barulhentos animais alastrou as casas vizinhas numa temível nuvem invasora. Donas de casa penduraram dezenas dos saquinhos de grama em suas janelas, enquanto crianças, cachorros e corretores de imóveis canhotos corriam para suas casas, na intenção de se proteger do temível fedor.
Chubble, por sua vez, simplesmente não se importou. Manteve-se inerte no sofá de sua casa, frente a TV, assistindo as reprises de Jeannie é um Gênio.  É claro que suas narinas sentiram de imediato o cheiro dos excrementos suínos no momento em que o caminhão passou. O cheiro era, de fato, repugnante. Mas nada que fosse impossível de aguentar. A história de Sr. Laerte era de fato um exagero.
Assim, Chubble gastou a quantia economizada na compra de queijo gorgonzola, pois sabia fielmente que a grama do vizinho podia ser mais verde, mas seu queijo, ainda que com cheiro de porco, era bem mais saboroso.
E foi de tal história que surgiu-me a revolta. Afinal, por que é que estão todos... Todos cultivando sacolas de grama?! Tudo com o único intuito de mostrar para os vizinhos o quanto sua sacola é mais difícil de carregar.
Vejam só... no topo da linha da vida, temos as reclamações dos idosos. Sempre aptos a declarar para os mais jovens que a terceira idade é depressivamente dolorida, e que quando alcançarem tal idade terão vidas monótonas, dependentes de bingos, Viagra e crochê.
Como que para dar o troco, adultos voltam-se para os mais jovens e estendem um catálogo de reclamações acerca de suas responsabilidades. Contam sempre sobre o fardo de criar uma família, lidar com um emprego e pagar o 10% em churrascarias. E, claro, nunca se esquecem de dizer... “Vocês vão ver quando crescerem. Tudo será muito pior.”
Mas não são poupados os jovens, que ainda que aturem os adultos, reclamam tanto quanto os mesmos. Se não da falta de dinheiro, da falta de álcool nas festas, e da falta de moedas para os Xerox da faculdade. Apontam os dedos nos focinhos de seus irmãos adolescentes e prenunciam que, quando estes crescerem, a vida será muito difícil.
E até mesmo os tais aborrescentes, na flor da idade, voltam-se para as crianças e anunciam que a vida é uma droga. Que ao crescerem, não serão ouvidos por ninguém, taxados de rebeldes e reclamões, e forçados a recorrer ao uso de identidades falsas.
Restam então as crianças, que não tem a quem, nem o que reclamar. Pois para elas, a vida é perfeita. Pelo menos, ainda é. Até o momento em que os mais velhos, que acreditam ser mais sábios, prenunciem que um dia tudo há de piorar. E ali jazem elas... na base da cadeia alimentar. Onde a grama ainda é tão verde e divinamente fresca. Por que insistimos em estragá-la com toda nossa porcalheira?
Porque vivemos com o desejo de atacar a grama alheia, assim como alguém mais velho um dia depredou a nossa. E neste ciclo sem fim, nos tornamos realmente uma desgraça.
A vida não é ruim. A vida não é difícil. A vida, assim como o cheiro dos porcos, não é algo impossível de lidar.
Idosos possuem tempo para explorar os prazeres da serenidade. Adultos possuem a independência de tomar próprias decisões. Jovens possuem a experiência de poder cometer erros. E quanto aos adolescentes, um turbilhão de ideias em suas mentes, para engatar projetos que mudarão o mundo futuro.
Pois eis então a verdade. Os níveis da vida não vão subindo de dificuldade. São os seres humanos que vão aumentando de chatice.
E quando vemos, somos nós que estamos lá, perguntando aos nossos sobrinhos sobre as namoradinhas.
E ninguém pensa que seria mais fácil simplesmente aceitar o fato de que a vida é sim um mar de rosas. De que tudo, exatamente tudo, está as mil maravilhas. E que os defeitos não vem de fora, mas de dentro. Dessa estúpida mania de enxergar sempre o pior.
Pois é claro que, assim como somos humanos, somos como grama... exatamente como a grama vendida por Senhor Laerte. Programados desde o princípio para enfrentar o depressivo e imaginário cheiro de merda da vida.




{ 12 comentários... read them below or Comment }

  1. Adorei o post, você escreve super bem, me fez querer ler mais!
    Beijos.

    http://www.garotonostalgico.com/

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    1. Valeu, muito obrigado! Continue acompanhando, que tem bem mais. Vou dar uma olhada no seu blog também. :))

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  2. Felippe, muito bom seu texto.
    Não sei se diria que é um conto ou uma crônica, mas é um bom escrito.
    Achei bem interessante.

    Lisossomos

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  3. Oi Felipe, uma ótima reflexão para fazermos. Eu concordo que nós humanos que ficamos cada dia mais chatos e que reclamamos a toa. Parece ser mais simples assim para a maioria de nós colocarmos a culpa na vida das coisas que queremos e não fazemos.
    Bjs, rose

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  4. Oie Felipe!
    Que texto bacana o seu texto fala muito da condição humana que é estar sempre em constante reclamação. Infelizmente...
    Parabéns pelo texto e vou voltar aqui mais vezes para apreciar sua escrita.
    Abraço
    camila Bernardini Coelho

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  5. Curti demais seu texto. Quero ficar acompanhando e deliciando minha mente. Parabéns!
    http://www.lostgirlygirl.com

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  6. Olá.
    Ótimo texto. Muito reflexivo, você está de parabéns.

    Beijos
    http://aventurandosenoslivros.blogspot.com.br/

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  7. Olá,adorei o texto. Muito bem escrito, reflexivo e crítico em boas doses. A frase final então, muito marcante. Adorei!!!

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  8. Oi Felippe!
    Vou ser repetitiva se disser que gostei do seu texto? Parece que todo mundo gostou mesmo neh!? Você escreve bemm!!
    Beijos

    LuMartinho | Face

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  9. Posso dizer que vc escreve bem, ou já virou clichê? hahaha Adorei!

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  10. Oie, tudo bom?
    Ótimo texto sobre a estupidez humana. Vivemos para nos habituar com cada fase da vida e o que julgamos hoje, serão nossos erros amanhã.
    Beijos,
    http://livrosyviagens.blogspot.com.br/

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  11. Olá! Ótimo texto, adorei! Já devem ter te dito isso, mas você escreve muito bem Parabéns e continue escrever. Beijos.

    www.eicarolleia.com.br

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