Pode ser que
seja fácil, mas não pode ser difícil, que você, caro leitor, seja capaz de
imaginar a seguinte situação: Eis que está num almoço de família e sua avó reclama
constantemente das dores na coluna causadas pela velhice. É engraçado observar
como seu pai parece não dar ouvidos, apenas balançando a cabeça e erguendo as
sobrancelhas, como se não suportasse mais ouvir a mesma balela de sempre
enquanto ingere a garfada de macarronada. Curiosamente, tal semblante é o mesmo
que o seu quando ele lhe enche o saco dizendo que “quando crescer, verá o que
são responsabilidades”.
A questão é essa.
Estão todos sempre reclamando de tudo. E se é verdade que os mais velhos sabem
mais do que os mais jovens,deverá ser então um fato que a tendência da vida é
sempre inevitavelmente piorar.
Mas será
mesmo? A vida é mesmo assim tão cheia de desastres e catástrofes depressivas?
Estamos todos condenados a infelicidade? Essas e outras perguntas, você não
verá respondidas sexta no Globo Repórter. Afinal, não são coisas sobre as quais
seres humanos se dão ao trabalho de dizer.
E foi por isso que deixei de discutir com
humanos e dei ouvidos a Chubble, discutindo tal tema enquanto jogávamos eu e
ele nossa partida matinal de xadrez no despertar de terça feira. Como de
costume, reclamávamos da vida. O trabalho está cansativo, a faculdade está
puxada, e garotas tolas da internet insistem em dizer que E. L. James é uma boa
escritora. Mas por mais que reclamemos com afoitamento, tal feito não é pra ser
feito em voz alta.
Afinal, todos
fingem já estar cientes de que a vida é uma droga sem fim. Motivo pelo qual
temos todos a resposta na ponta da língua quando nos indagam “Como está você?”.
Se a opção de se limitar ao simples “Estou bem, e você?” não for a escolhida,
brota do diálogo uma veemente competição, na qual o oponente se esforça ao
máximo para provar que a vida dele tem sido a mais difícil. Diga que está
trabalhando muito, e dirão que estão trabalhando mais. Diga que os filhos dão
trabalho, e dirão que o trabalho lhes deu filhos. E o consenso dos maiores se
comunica... de que a vida inteira é uma completa desgraça.
Mas desprovido de graça era mesmo o
maldito Senhor Laerte. O vizinho que ladeava o terreno da casa de férias de
Chubble, durante os meses em que se despediu de mim por um breve hiatus e foi
visitar a cidade de Gramado. Senhor Laerte era um homem robusto que plantava
grama todos os dias. Plantava-as e depois cortava, colocando montes das mesmas
em saquinhos plásticos e pondo-os sobre balanças de cozinhas, na intenção de
medir quantos gramas pesavam as gramas de Gramado. Após ter todas as embalagens
devidamente lacradas, vendia-as para toda a vizinhança. Era prova de estilo
maior no bairro comprar os saquinhos aromáticos de mato do Senhor Laerte, os
quais eram pendurados nas portas e janelas, para que a casa desfrutasse sempre
de um agradável cheiro de grama recém-cortada.
O único vizinho que jamais comprava do
estoque de gramas era Chubble, pois tinha uma grave alergia a capim, assim como
a creme de alho pastoso.
Na tentativa de ampliar as vendas, Sr.
Laerte advertiu que Chubble muito se arrependeria se não viesse a comprar
nenhum dos pacotes aromáticos. Dizia ele que semanalmente o caminhão de porcos
que por ali passava deixava um cheiro ofensivo de excrementos pelo caminho. Tal
odor intoxicava as narinas e lacrimejava os olhos, e só podia ser disfarçado
pelo aroma das gramas penduradas pela casa. Sendo assim, comprar alguns gramas
da grama de Gramado era não apenas uma tendência estilosa, mas uma necessidade
extrema para uma vida pródiga.
Entretanto, por mais que o robusto
vizinho bigodudo tanto lhe avisasse, meu amigo-talvez-uma-morsa nunca lhe deu
ouvidos. Permaneceu unindo suas economias, moeda por moeda. Até chegar o dia em
que o caminhão de porcos passou.
O odor das fezes dos barulhentos
animais alastrou as casas vizinhas numa temível nuvem invasora. Donas de casa
penduraram dezenas dos saquinhos de grama em suas janelas, enquanto crianças,
cachorros e corretores de imóveis canhotos corriam para suas casas, na intenção
de se proteger do temível fedor.
Chubble, por sua vez, simplesmente não
se importou. Manteve-se inerte no sofá de sua casa, frente a TV, assistindo as
reprises de Jeannie é um Gênio. É claro
que suas narinas sentiram de imediato o cheiro dos excrementos suínos no
momento em que o caminhão passou. O cheiro era, de fato, repugnante. Mas nada
que fosse impossível de aguentar. A história de Sr. Laerte era de fato um
exagero.
Assim, Chubble gastou a quantia
economizada na compra de queijo gorgonzola, pois sabia fielmente que a grama do
vizinho podia ser mais verde, mas seu queijo, ainda que com cheiro de porco,
era bem mais saboroso.
E foi de tal história que surgiu-me a
revolta. Afinal, por que é que estão todos... Todos cultivando sacolas de grama?!
Tudo com o único intuito de mostrar para os vizinhos o quanto sua sacola é mais
difícil de carregar.
Vejam só... no topo da linha da vida,
temos as reclamações dos idosos. Sempre aptos a declarar para os mais jovens
que a terceira idade é depressivamente dolorida, e que quando alcançarem tal
idade terão vidas monótonas, dependentes de bingos, Viagra e crochê.
Como que para dar o troco, adultos voltam-se
para os mais jovens e estendem um catálogo de reclamações acerca de suas
responsabilidades. Contam sempre sobre o fardo de criar uma família, lidar com
um emprego e pagar o 10% em churrascarias. E, claro, nunca se esquecem de
dizer... “Vocês vão ver quando crescerem. Tudo será muito pior.”
Mas não são poupados os jovens, que
ainda que aturem os adultos, reclamam tanto quanto os mesmos. Se não da falta
de dinheiro, da falta de álcool nas festas, e da falta de moedas para os Xerox da
faculdade. Apontam os dedos nos focinhos de seus irmãos adolescentes e
prenunciam que, quando estes crescerem, a vida será muito difícil.
E até mesmo os tais aborrescentes, na
flor da idade, voltam-se para as crianças e anunciam que a vida é uma droga.
Que ao crescerem, não serão ouvidos por ninguém, taxados de rebeldes e
reclamões, e forçados a recorrer ao uso de identidades falsas.
Restam então as crianças, que não tem
a quem, nem o que reclamar. Pois para elas, a vida é perfeita. Pelo menos,
ainda é. Até o momento em que os mais velhos, que acreditam ser mais sábios,
prenunciem que um dia tudo há de piorar. E ali jazem elas... na base da cadeia
alimentar. Onde a grama ainda é tão verde e divinamente fresca. Por que
insistimos em estragá-la com toda nossa porcalheira?
Porque vivemos com o desejo de atacar
a grama alheia, assim como alguém mais velho um dia depredou a nossa. E neste
ciclo sem fim, nos tornamos realmente uma desgraça.
A vida não é ruim. A vida não é
difícil. A vida, assim como o cheiro dos porcos, não é algo impossível de
lidar.
Idosos possuem tempo para explorar os
prazeres da serenidade. Adultos possuem a independência de tomar próprias
decisões. Jovens possuem a experiência de poder cometer erros. E quanto aos
adolescentes, um turbilhão de ideias em suas mentes, para engatar projetos que
mudarão o mundo futuro.
Pois eis então a verdade. Os níveis da
vida não vão subindo de dificuldade. São os seres humanos que vão aumentando de
chatice.
E quando vemos, somos nós que estamos
lá, perguntando aos nossos sobrinhos sobre as namoradinhas.
E ninguém pensa que seria mais fácil
simplesmente aceitar o fato de que a vida é sim um mar de rosas. De que tudo,
exatamente tudo, está as mil maravilhas. E que os defeitos não vem de fora, mas
de dentro. Dessa estúpida mania de enxergar sempre o pior.
Pois é claro que, assim como somos
humanos, somos como grama... exatamente como a grama vendida por Senhor Laerte.
Programados desde o princípio para enfrentar o depressivo e imaginário cheiro
de merda da vida.
Adorei o post, você escreve super bem, me fez querer ler mais!
ResponderExcluirBeijos.
http://www.garotonostalgico.com/
Valeu, muito obrigado! Continue acompanhando, que tem bem mais. Vou dar uma olhada no seu blog também. :))
ExcluirFelippe, muito bom seu texto.
ResponderExcluirNão sei se diria que é um conto ou uma crônica, mas é um bom escrito.
Achei bem interessante.
Lisossomos
Oi Felipe, uma ótima reflexão para fazermos. Eu concordo que nós humanos que ficamos cada dia mais chatos e que reclamamos a toa. Parece ser mais simples assim para a maioria de nós colocarmos a culpa na vida das coisas que queremos e não fazemos.
ResponderExcluirBjs, rose
Oie Felipe!
ResponderExcluirQue texto bacana o seu texto fala muito da condição humana que é estar sempre em constante reclamação. Infelizmente...
Parabéns pelo texto e vou voltar aqui mais vezes para apreciar sua escrita.
Abraço
camila Bernardini Coelho
Curti demais seu texto. Quero ficar acompanhando e deliciando minha mente. Parabéns!
ResponderExcluirhttp://www.lostgirlygirl.com
Olá.
ResponderExcluirÓtimo texto. Muito reflexivo, você está de parabéns.
Beijos
http://aventurandosenoslivros.blogspot.com.br/
Olá,adorei o texto. Muito bem escrito, reflexivo e crítico em boas doses. A frase final então, muito marcante. Adorei!!!
ResponderExcluirOi Felippe!
ResponderExcluirVou ser repetitiva se disser que gostei do seu texto? Parece que todo mundo gostou mesmo neh!? Você escreve bemm!!
Beijos
LuMartinho | Face
Posso dizer que vc escreve bem, ou já virou clichê? hahaha Adorei!
ResponderExcluirOie, tudo bom?
ResponderExcluirÓtimo texto sobre a estupidez humana. Vivemos para nos habituar com cada fase da vida e o que julgamos hoje, serão nossos erros amanhã.
Beijos,
http://livrosyviagens.blogspot.com.br/
Olá! Ótimo texto, adorei! Já devem ter te dito isso, mas você escreve muito bem Parabéns e continue escrever. Beijos.
ResponderExcluirwww.eicarolleia.com.br