Conta-se
que há muitos anos atrás (ou talvez à frente) existiu um reino mágico onde
mortais e paçocas viviam em perfeita harmonia. Numa terra onde flores
desabrochavam em açúcar e nuvens se desfaziam em saborosos melaços, tais
simpáticas guloseimas de amendoim transmitiam seus conhecimentos aos humanos,
os ensinando a viver de forma doce e entusiástica. Crianças e mini paçocas
cantavam cantigas de roda e corriam sob raios ensolarados todos os dias,
acreditando que a vida era um misto incontável de açúcar e felicidade.
Nem mesmo a “idealidade” de
Platão esboçaria uma sociedade tão perfeita.
Mas foi então que o Rei Amargus XV
contra tal se rebelou. Acreditou que as paçocas desviavam a atenção dos humanos
de tarefas produtivas, levando-os a um caminho dominado pela criatividade nada
lucrativa.
Num temível acesso de fúria, o
rei decretou uma nova lei. Paçocas haviam se tornado ilegais. A mera existência
de tais guloseimas amendoadas tornou-se expressamente proibida. Os soldados do
monarca devastaram suas terras, expulsando não apenas as paçocas, mas qualquer
mero vestígio da herege arte açucarada.
Amargus ordenou que a única
expressão artística legalmente permitida fossem representações de sua própria
face em bustos de pedra. Estátuas em sua homenagem foram esculpidas por todos
os cantos, ao passo em que muros foram erguidos nos limites do reino para impedir
que qualquer paçoca rebelde ousasse tentar sorrateiramente ultrapassar a
fronteira.
Nem mesmo a “insensibilidade” de
Maquiavel suportaria tal governo como forma de política.
Professores foram encomendados via
Sedex, aplicados em cursos nos quais ensinariam os súditos a direcionar todas
as suas atividades diárias em direção a fins lucrativos. A preocupação com a
produtividade de seu próprio tempo tornou-se parte do cotidiano de plebeus e
palhaços. E por décadas, nenhuma outra paçoca foi encontrada.
Anos se passaram, até que um
grupo de seis jovens gnomos resolveu explorar os limites do reino. Guiados por
rumores trazidos pelos ventos, que sussurravam lendas antigas sobre seres
adocicados que um dia haviam habitado aquelas terras.
Nem mesmo a “aventuracidade” de
Tolkien entenderia o anseio em descobrir o além do feudo.
Foi numa noite de três luas que os
sonhadores indivíduos encontraram um segredo que há tempos ansiava por ser
revelado. Uma trilha, sinuosa e discreta, que se arrastava para além das fronteiras.
Os gnomos se espantaram ao notar que a trilha era feita de nada menos do que
paçocas. Sim... singelos pedaços cilíndricos de doce amontoados linearmente,
que levavam a algum destino inimaginável.
Nem mesmo a “misteriosidade” de
Conan Doyle entenderia a atratividade do mistério a ser revelado.
Aguçados, os gnomos seguiram a
trilha, em rápidos passos, antes que a Guarda Real os impedisse de instigar o
desconhecido.
Nem mesmo a “fertilidade” de C.S.
Lewis poderia imaginar a felicidade de tais seres ao alcançar seu destino.
Uma pacata vila encantada, onde as
linhagens de paçocas sobreviventes refugiavam-se em perfeita harmonia. Viviam
em segredo, num esforço incansável de preservar a doçura que tanto lhes fora
reprimida. Fascinados, os gnomos se uniram a suas sinfonias, divertindo-se por
dias e noites, nos quais declamavam açúcar e comiam poesia.
Não tardou, contudo, que os plebeus
do reino notassem o sumiço dos seis pequenos seres. Aguçados pela curiosidade,
pouco a pouco os cidadãos partiram em busca do paradeiro dos gnomos. À medida
que encontravam a trilha de paçocas e alcançavam a pacata vila, encantavam-se
de tal maneira que não voltavam jamais. A população do reino aos poucos
transbordava em direção ao povoado.
Nem mesmo a “raivosidade” de George
Martin seria capaz de compreender o sentimento que dominou Amargus no momento
em que notou que seus súditos cada vez mais o abandonavam.
Ao descobrir sobre o refúgio
açucarado, o poderoso monarca ordenou que seu exército marchasse em direção a
vila e exterminasse definitivamente todas as paçocas. Contudo, suas palavras
ecoaram pelo salão deserto. Colocou seus óculos para que pudesse enxergar
melhor e constatou a dura verdade.
Não havia mais exército. Não
havia mais soldados. Todos haviam fugido. Cercado por suas estátuas e bustos de
mármore, mergulhado em sua miopia, o monarca nem percebera como lentamente
terminara em repleta solidão. Seu reino agora nada mais era do que terras
inabitadas, enquanto a população da vila das paçocas crescia estrondosamente.
O reino tornou-se nada, e o nada
tornou-se reino.
Foi em seu auge momentâneo que, num
lampejo amendoado, a terra das paçocas desapareceu. O reino se escondeu por
trás de nuvens de algodão doce e nunca mais foi encontrado por ninguém.
Desamparado, Amargus vagou por anos
em repleta solidão. Mesmo quando, por acidente, encontrou a trilha secreta, não
pôde enxergá-la. Sua mente era tão desprovida de açúcar que, ao olhar para as
cilíndricas guloseimas, tudo que enxergava eram pequeninos tocos de madeira.
Sem nada a se apegar que não sua
mente sem inventividade, o monarca vagou por terras longínquas, onde encontrou
novos súditos e deu início a uma nova civilização rumo ao desenvolvimento
(dessa vez, sem paçocas para lhe perturbar). Uma civilização sem criatividade
da qual, contudo, fazemos parte.
Dizem por aí que a trilha das
paçocas ainda existe, mas apenas pode ser encontrada por indivíduos de mente
adocicada. Num mundo onde açúcar não mais se declama, e poesia não mais se
come, cada vez mais o reino das paçocas se distancia.
Mas rumores sussurram que, vez ou
outra, jovens de mentes diferenciadas desaparecem sem explicação. E quando
voltam (se é que voltam) relatam histórias sobre um reino onde tudo é doce, e
onde a felicidade se colhe em árvores de amendoim.
Nem mesmo a “insanidade” de Lewis
Carrol poderia negar que tais rumores parecem utópicos e ilógicos por demais.
Mas creio que ainda existem gnomos
cansados de admirar os bustos de pedra de seus reis, que buscam por um mundo
novo, repleto de magia. Seres pequeninos que entendem que o mundo onde vivem
não pode permanecer em amargurada ignorância.
Afinal...
Nem mesmo a “adocidade” de uma
paçoca arriscaria viver num mundo onde a mente é tão diabética.