Rosalinda era uma singela habitante de uma cidade pacata. Destinada,
assim como seus vizinhos, a vagar pela monótona rotina que a vida lhe
proporcionava. Já em torno dos setenta anos de idade, possuía cabelos
grisalhos, sempre presos num firme coque, que combinados aos óculos de lentes
grossas e ao vestido bordado, lhe davam uma aparência materna e acolhedora.
Nunca tivera filhos. O marido falecera antes mesmo que pudesse lhe
fornecer uma prole. Mas Rosalinda nunca deixara que tal fato a abatesse. Sem
filhos para chamar de seus, fez dos vizinhos e conhecidos próximos suas
crianças. Ajudava a todos da comunidade, exercendo trabalhos voluntários,
cozinhando em festas de caridade, e sempre disposta a fornecer ajuda a qualquer
um que precisasse de socorro. Ao passar pela rua todas as manhãs, a velha
senhora recebia sorrisos e abraços de todos os cidadãos. Não havia ninguém que
não a conhecesse e não a admirasse por sua bondade e fraterna simpatia.
Cozinhava seus bolos e tortas durante as manhãs, tricotava durante as
tardes, e festava no intranquilo centro de idosos todas as noites com afáveis
companheiros. Cozinhar, tricotar, bailar e prestar ajuda a quem precisasse. Tal
rotina rodeava a vida de Rosalinda, a qual todos bem conheciam e tanto
admiravam.
Mas disse um sábio amigo em formato de morsa certa vez que seres
humanos são itens complexos, que não devem ser julgados por aquilo que fazem
durante o dia, mas sim por aquilo que fazem nas madrugadas. Um indivíduo que se
limita ao singelo ato de dormir, por exemplo, prova nada mais ser do que um
reles idiota. Um indivíduo que se arreganha à fatídica arte de sonhar já
demonstra certa aptidão para realizações, embora preguiça de levantar-se e
realizá-las bem acordado. Um indivíduo que passa a noite sobre o efeito de
álcool e drogas... é um bêbado drogado. Mas essa história não é sobre você,
sobre seu irmão caçula, ou sobre a polêmica Lindsay Lohan. Essa história é
sobre Rosalinda, e sobre o que ela fazia em suas madrugadas.
Mal sabiam os ingênuos cidadãos que a doce senhora mantinha um hobby em segredo. Algo que fornecia a sua vida um propósito, o qual a estimulava a
levantar-se todas as noites, e utilizar-se da insônia habitual para uma
prestativa atividade. E assim, toda noite, às exatas três e vinte e sete da
madruga, Rosalinda saía de casa com sua mochila de apetrechos para caça... e
matava pássaros.
Que singelo e suculento prazer ela sentia ao trucidar as pequenas
bestas cantantes uma a uma, enquanto dormiam inocentemente em seus ninhos
dispostos em árvores pela cidade. O som dos pios desesperados e o flutuar das
penas pelos ares respingadas de sangue lhe permitiam desfrutar de um deleite
indescritível, que a preenchia por breves segundos e lhe instigava a matar uma
quantidade de aves cada vez maior.
Em alguns mirava o estilingue, outros acertava com um bastão espinhoso,
os mais frágeis esquartejava com uma adaga rapidamente, e em locais isolados,
onde nenhum cidadão poderia ouvi-la, arriscava-se a matá-los a longa distância
com o rifle conivente. Por anos, exterminou os pássaros da cidade por
incontáveis madrugadas, permitindo que os cidadãos despertassem todas as manhãs
sem nenhum canto melódico a lhes perturbar.
Até que num belo dia, talvez não tão belo por sinal, e talvez não tão
dia visto que o fato só se deu na noite escura, uma jovem a flagrou durante o
ato. Os olhos de Rosalinda se arregalaram, e sua mente desesperou-se ao pensar
em como explicaria o fato de que assassinar belas aves a fazia feliz. A jovem,
contudo, não recuou assustada. Se aproximou e segurou as mãos da velha senhora,
retirando o rifle de seus dedos e dizendo-lhe que tudo ficaria bem.
Seu nome era Doralice. Uma garota de fibra, coragem e carbono. Uma
dessas pessoas especiais que, como citadas acima, se dispõem a fazer algo mais
produtivo durante as madrugadas do que simplesmente dormir. De olhos de um azul
celeste, cabelo castanho arenoso, e singela voz que acalmava Rosalinda em seu
pranto. A garota disse a velha que matar pássaros era um vício que adquirira
por falta de afeto. Mas que tal podia ser corrigido com sua ajuda e devida
terapia.
A partir daquele dia, em todas as mínimas madrugadas, a jovem e a velha
saíam juntas, não mais para matar pássaros, mas sim para enxergar nos pequenos
seres o doce milagre da vida. Doralice lhe explicava em sábias palavras sobre
como cada singular animal se relacionava com o ecossistema, sendo assim
importante para a natureza como um todo. Os pássaros não apenas embelezavam os
campos e ruas pela manhã, mas também cortavam céus e nuvens trazendo alegria,
alimentando seus filhos em ninhos acolhedores, e constituindo famílias formadas
de pios, afeto e penugem.
Foi após treze noites consecutivas que Doralice deu seu trabalho por
finalizado. Havia ensinado com
eficiência tudo o que sabia à pródiga idosa. Rosalinda sorriu ao ver-se livre
de seu vício, ciente de que não mais precisaria trucidar tão belas criaturinhas
para se ver feliz.
Com extrema afeição, abraçou a jovem, agradecendo-lhe por tudo o que
havia lhe ensinado.
Num sorriso mais que materno e num gesto triunfal, a velha
senhora ergueu o rifle e acertou três tiros em cheio na cabeça de Doralice. O
sangue pintou o gramado com o mais puro escarlate e refletiu o brilho da lua de
maneira poética. Rosalinda sorriu orgulhosa diante do corpo da garota.
Nunca mais cometeria a atrocidade de assassinar pássaros... Matar pessoas
era bem mais divertido.
Desculpe, o que foi isso?? Sério, eu acho que você andou vendo Hannibal não foi? Jesus, que texto perturbador! Se sua intenção era me fazer ficar sem dormir por alguns dias, conseguiu.
ResponderExcluirAcabei de ler o texto de alguém que tem estudado demais Direito Penal... pode parar e.e
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